O relativismo relativo ou a justa relatividade da verdade
Pe. Anderson Alves
Então a afirmação tudo é relativo implica que duas afirmações contraditórias possam ser verdadeiras?
Em outra ocasião dizíamos que o relativismo e o ateísmo absolutos são incompatíveis[i].
Pois quem afirma ser verdade que Deus não exista, não poderia negar a
existência da verdade. De modo que o ateísmo absoluto nos mostra que
relativismo não pode ser absoluto, só pode ser relativo.
E isso é comprovado se partimos da afirmação dos que dizem que o
relativismo não nega a existência da verdade, mas somente diz que ela é
sempre relativa.
De fato, a afirmação de que “tudo é relativo” é muito
comum nos nossos dias e pode significar algo equivocado e também algo
certo.
Equivocado quando quer significar que duas afirmações
contraditórias podem, ao mesmo tempo, ser verdadeiras. Pois quem afirma
isso deveria aceitar que duas afirmações contraditórias não podem ser
contemporaneamente verdadeiras (uma vez que essa é a contraditória da
afirmação anterior). Mas quem diz que duas afirmações contraditórias
podem e não podem ao mesmo tempo ser verdadeiras, não sabe realmente o
que fala.
A inteligência e a linguagem humanas, se querem continuar
sendo reconhecidas como tais, não aceitam contradições.
“Tudo é relativo” pode significar também algo bem preciso: que a
verdade indica sempre uma relação. De fato, a verdade se dá quando se
afirma aquilo que é, ou se nega aquilo que não é.
Em outras palavras, a
verdade se dá quando a inteligência apreende o que as coisas são e as
expressa em juízos. De modo que “tudo é relativo” significa que toda
verdade é relativa a uma inteligência: a de quem a conhece.
E a inteligência pode ser tanto a divina quanto a humana. A divina
fundamenta toda verdade natural existente, porque Deus pensa todas as
coisas e depois as cria (inclusive o processo evolutivo). E a
correspondência daquilo que as coisas são com o pensado por Deus sobre
as coisas é a verdade natural de todas elas, intrínsecas às mesmas. O
intelecto humano, por sua vez, não conhece todas as verdades, mas está
em potência para conhecê-las.
Sendo assim, a relação do intelecto divino
com as coisas é essencial para as coisas, pois sem essa relação as
coisas não podem existir; a relação do intelecto humano com as coisas
naturais é acidental, pois ainda que o homem não as conhecesse, essas
existem e são dotadas de uma racionalidade e de leis próprias e
cognocíveis.
Santo Tomás de Aquino chega a dizer que se não houvesse
nenhuma inteligência, nem a divina nem a humana (o que é impossível),
não haveria nenhuma verdade[ii].
Então a afirmação “tudo é relativo” implica que duas afirmações
contraditórias possam ser verdadeiras? Evidentemente não, pois afirmar
que duas contraditórias são verdadeiras implica aceitar que duas
afirmações contraditórias não são verdadeiras, o que é um absurdo. Dizer
que cada verdade é relativa a um intelecto quer dizer que a verdade só
existe porque é conhecida por Deus e pode ser conhecida pela
inteligência humana, mas não implica que a inteligência humana conhece
infalivelmente a verdade.
A inteligência humana não é nem a divina nem a
angélica e pode se equivocar. Mas também só essa inteligência pode
reconhecer o próprio erro.
Sendo assim, quando uma afirmação é verdadeira a sua contraditória
necessariamente será falsa. Isso quer dizer que se uma pessoa diz “isso
que está diante de mim é um computador”, não pode dizer no mesmo tempo
“isso que está diante de mim não é um computador”. Quem está certo da
verdade da primeira afirmação, não pode aceitar a verdade da segunda.
Isso é o princípio básico de coerência do pensamento e da linguagem
humana.
Quem nega esse primeiro princípio se torna incapaz de fazer
qualquer afirmação, de raciocinar, de dialogar, de viver em sociedade.
Se torna, para continuar com o exemplo de Aristóteles, semelhante a um
vegetal, com quem não é educado discutir.
E quando alguém diz: “isso é a tua verdade, mas não é a minha
verdade”: há algum sentido? Certamente nesse caso deve-se analisar o
conteúdo das duas afirmações e ver se ambas são realmente contraditórias
e depois investigar se ambas são falsas, ou se alguma é verdadeira. No
caso de que uma seja verdadeira, a sua contraditória será
necessariamente falsa. E isso não implica discriminação com ninguém,
pois é próprio de pessoas de inteligência considerar mais o que se diz
do que quem o diz, num diálogo.
Pode ocorrer que as duas afirmações não
sejam contraditórias, mas verdades complementares, ou duas falsidades. É
necessário saber, então, qual é o critério último para que uma
afirmação seja verdadeira ou falsa.
Já iniciamos aqui uma resposta, mas a
aprofundaremos em outra ocasião.
O que importa agora é deixar claro que toda verdade se refere a uma
inteligência. Nesse sentido, toda verdade é relativa, inclusive a
verdade divina, relativa à inteligência (Logos) de Deus. E isso
é o justo relativismo da verdade. Por outro lado, afirmar um
relativismo absoluto, ou seja, dizer que toda afirmação é
necessariamente verdadeira (ou necessariamente falsa), inclusive aquelas
contraditórias, significa afirmar algo tão ilógico e antinatural que
seria melhor não dizer nada: “sobre o que não se pode falar, se deve
silenciar”[iii].
Fonte:
Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma.
http://www.zenit.org/pt/articles/o-relativismo-relativo-ou-a-justa-relatividade-da-verdade
[i] Cfr. http://www.zenit.org/pt/articles/e-possivel-um-relativismo-absoluto Cfr. também: http://www.zenit.org/pt/articles/o-ateismo-e-uma-escolha-racional
[ii] S. Tomás de Aquino, De Veritate q. 1, a. 2.
[iii] L. WITTGENSTEIN, Tractatus logico-philosophicus, prop. 7.
(08 de Abril de 2013) © Innovative Media Inc.
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