O culto à feiura no mundo revolucionário
O
belo vem sendo escorraçado no mundo moderno para ceder lugar ao
horrendo. Há necessidade de uma reação para se obter a restauração da
beleza, da verdade e da bondade de Deus.
O Pe.
Anthony Brankin foi ordenado sacerdote na Arquidiocese de Chicago em
1975, tendo recebido licenciatura em Sagrada Teologia. Passou depois
seis anos como assistente na igreja de Nossa Senhora da Caridade, em
Cicero, Illinois.
Pe. Anthony Brankin:
"O culto da feiura é tão penetrante, preenche todos os interstícios da
vida, que corremos o risco de não analisá-lo e deixar, assim, de
rejeitá-lo"
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Em 1998, o cardeal Francis George
nomeou-o capelão do capítulo de Chicago do Legado Internacional,
organização formada por executivos católicos e suas esposas. Atualmente é
pároco da igreja de Santo Odilon, em Berwyn, Illinois.
Regressou a Chicago em 1983. Em 1989
foi constituído pároco da igreja de São Tomás More. Nesta paróquia é
celebrada a Missa tridentina em latim todos os domingos ao meio-dia.Em
1981 o Cardeal Cody o enviou a Roma, para que prosseguisse seus estudos
em arte e teologia. Frequentou simultaneamente a Academia de Artes
Finas em Roma (estudando escultura e pintura) e a Universidade de São
Tomás de Aquino, onde continuou seus estudos de teologia.
Além de pronunciar conferências em diversos lugares, o Pe. Brankin
escreve para a “Homiletic and Pastoral Review”, “The New Oxford Review” e
“The Wanderer”, e faz recensão de livros para a editora Catholic New World, de Chicago.
Desenhista, pintor e escultor desde a juventude, o Pe. Brankin recebe
encomendas oriundas de mosteiros, conventos, igrejas e organizações
civis dos EUA e de Roma para a confecção de imagens em tamanho natural
feitas por ele geralmente em bronze. Recentemente esculpiu duas grandes
esculturas: uma representando o “Cristo do Apocalipse” montado num
cavalo, e outra de São José com o Menino Jesus, encomendada pelo Cardeal
Raymond Burke.
Entusiasta da Missa em latim e excelente pregador com visão crítica da
cultura e da história, ele expõe as verdades da fé de modo acessível a
todos.
* * *
Catolicismo — O que o Sr. visa em suas palestras sobre a questão da feiura nos ambientes hodiernos?
Pe. Brankin — Não
pretendo mencionar cada caso possível de feiura na nossa sociedade
atual. Isso seria fatigante, quando não simplesmente desalentador.
Vivemos de fato imersos numa cultura incrivelmente feia; não podemos
escapar disso. O propósito é manter as pessoas atentas quanto ao real
perigo de não perceberem a feiura, nem de se darem conta da verdadeira
destruição que ela opera em suas almas.
Catolicismo — Poderia
mencionar casos de feiura na sociedade atual? Por que se fazem
construções, músicas e modas feias se o que atrai é o belo?
Pe. Brankin — Um
exemplo relativo aos Estados Unidos: quando digo que as pessoas vivem
imersas na feiura, quero dizer que elas estão cercadas por quilômetros
de irredutíveis feiuras: McDonalds e Burger Kings
comprimidos entre postos de gasolina e cortiços. Embora não confundam
isso com beleza, à força de serem tão comuns elas poderão não mais
achá-los particularmente feios.
As pessoas não mais reconhecem as coisas especificamente como feias.
Nunca se poderá fazer uma reflexão sobre a feiura de todos os shoppings
com as suas fachadas falsas e interiores ainda mais falsos, ou sobre os
condomínios, tão vazios e estéreis no interior quanto no exterior. Tudo
agora se apresenta exatamente assim. E, claro, isso é só para começo de
conversa, pois existe também em nosso mundo uma feiura espiritual não
menos penetrante e de algum modo relacionada com a feiura visual que nos
cerca.
Escultura do prestigiado artista moderno Miró, no Défense, em Paris:
“Uma sociedade que não acredita em Deus, no sobrenatural, nem mesmo na
verdade — para não mencionar também a beleza — só fará coisas feias”
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Depois, naturalmente, quando por fim
as pessoas chegarem às suas casas, ligarão a televisão para ouvir as
notícias sobre o progresso científico de nossa cultura de colheita e
venda das partes de corpos de bebês. Verão notícias de candidatos
políticos tentando suplantar uns aos outros na faina de matar bebês por
meio do aborto.Ao ligar o rádio do carro, tudo o que se ouvirá
serão notícias sobre algum novo tiroteio. No entanto, as pessoas estarão
em condições de formar uma imagem mental dos bandidos, pois já viram
suas feições e trajes no próprio quarteirão em que residem, e, talvez
mesmo, entre os familiares: cabelo colorido em mechas, mutilações,
tatuagens, brincos no nariz e nas sobrancelhas, roupas frouxas, bonés de
beisebol ao revés, aspectos grosseiros e grunhidos mal-humorados.
Liga-se um canal, no qual por horas a fio ser-lhes-á oferecido um
espetáculo de atores e atrizes vomitando frases vis, em produções de um
mau gosto cada vez maior. Seria possível descrever melhor a programação
televisiva do que dizer que ela apresenta gente feia e ruim, fazendo
coisas feias e ruins umas às outras? De fato, a feiura é tão universal e
transformou-se de tal maneira em parte da nossa vida, que ela nem se
registra mais em nossa mente.
Bem, mas poder-se-á pensar que, ao menos no domingo, seríamos poupados
de toda essa feiura visual e espiritual indo à igreja. Mas a feiura
também lá está, pois, possivelmente, sua igreja já foi despojada pelos
modernos bárbaros católicos, que não possuem sequer senso artístico.
Catolicismo — Os edifícios horrorosos construídos também para igrejas?
Pe. Brankin — Os
modernistas removem o tabernáculo para um closet e o crucifixo para o
subsolo do salão paroquial. Eles terão destruído o santuário, as
capelas, e gastado tudo o que puderem para arruinar qualquer senso de
beleza estética demonstrado pelos primeiros paroquianos e pelo arquiteto
original. Porém, mais uma vez, os fiéis se acostumaram tanto com isso,
que já não mais se registra em suas mentes aquilo que em nome da reforma
eles fizeram com sua igreja. Pelo menos até se confrontarem com o que
eles fizeram também com a Missa — sempre insolente, sempre infantil,
sempre mutável, sempre aborrecida. Até os fiéis não estarem mais
seguros, de quem deveria ser o maior embaraço: o dos fiéis por estarem
ainda lá, ou o dos liturgicistas que inventaram aquilo tudo.
De fato, o culto da feiura é tão penetrante, nos cerca tão
completamente e preenche todos os interstícios de nossa vida, que
corremos a cada momento o risco de não analisá-lo e deixar, assim, de
rejeitá-lo.
Catolicismo — Como o Sr. conceituaria a noção de beleza?
Pe. Brankin —
Pergunte-se a qualquer criança que esteja desenhando, o que ela está
tentando fazer. Ela dirá que está tentando recriar algo que viu na
natureza, seja uma maçã, o sol, uma árvore ou uma casa. E,
invariavelmente, para aquela criança a medida do sucesso de seu desenho é
o quanto ele proximamente se pareça com a natureza.
Precisão em conformidade com a natureza sempre foi o padrão de
referência para artistas e sociedades, para todas as altas civilizações,
dos egípcios e gregos aos romanos e europeus. As sucessivas gerações de
artistas de cada cultura procuraram melhorar, ou ao menos preservar, as
técnicas, lições e descobertas das gerações anteriores, sempre buscando
maior beleza de linhas, mais solidez nas formas e perspectivas mais
verdadeiras.
Era, de modo geral, aceito haver algo de infinitamente mais para uma
face do que a simples face; algo relativo às proporções entre nariz,
olhos, ossos molares, maxilar, lábios e boca. Isto, evidentemente, seria
a beleza.
Assim, para entendermos qualquer coisa sobre o culto à feiura,
precisamos primeiro entender o que é a beleza. Sua definição é bastante
básica. De acordo com o grande santo-filósofo da Idade Média, Tomás de
Aquino, a beleza é aquilo que quando visto agrada. Nem mais, nem menos.
Se cores, formas, figuras e composições agradassem ao mesmo tempo a
mendigos e a reis, seriam então consideradas belas.
Catolicismo — Por que agradam? O que leva a nos deleitar com aquilo que nossos olhos veem?
Pe. Brankin — Santo
Tomás disse que, se alguma coisa nos dá prazer, é porque algo de bom de
algum modo existe na coisa que nos dá prazer; e o bem sempre nos atrai e
agrada.
Cadetral católica de Tóquio
“O culto à feiura é tão absolutamente penetrante e diligente em
celebrizar o infrutuoso, o estéril, o deformado e o feio, que põe à
margem a Fé”
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Agora, o bem que uma pessoa vê e sente em alguma coisa é a sua
forma. Ou seja, sua totalidade, suas proporções. Se tal coisa for
completa, direita e equilibrada, ela é boa e a razão pela qual somos
atraídos por aquela forma é porque sentimos haver no objeto o mesmo tipo
de forma existente dentro de nós. Vemos e sentimos, na formado belo
objeto, um bem. E o bem nele ecoa o bem em nós — ou, pelo menos, o bem
que deveria haver em nós. Sentimo-nos fascinados e atraídos por aquela
semelhança. Ela nos agrada e queremos permanecer na sua presença.
Observemos como as crianças são totalmente tomadas umas pelas outras,
como elas reagem em relação àquelas outras pequenas criaturas que se
parecem tanto com elas. Como elas fitam as outras crianças, reconhecem
as suas similitudes e até se aproximam para lhes tocar a face.
A forma de um belo objeto é considerada bela pelo fato de ser
completa e proporcionada, do mesmo modo como nos sentiríamos completos e
proporcionados nos deleitando com a beleza do nosso próprio ser. Há uma
semelhança entre aquilo que está em nós e aquilo que está no objeto
belo. E sentimo-nos agradados.
Mas isso não é tudo. Há outro elemento presente, sem o qual
não podemos obter todo esse reconhecimento deleitável. Do mesmo modo
como os olhos do corpo necessitam da luz para verem algo, também os
olhos da alma precisam de semelhante luz — que Santo Tomás denomina claritas (claridade) —, uma centelha de luz, por assim dizer, que se reflete no belo objeto e dele provém.
Trata-se da mesma centelha de ser que provém do ser de Deus. O próprio ser de Deus está presente no ser do objeto, e o belo ser
de Deus revela-se assim na forma, proporções e claridade do objeto. É
precisamente pelo fato de uma coisa ser um reflexo da beleza de Deus que
somos naturalmente atraídos para ela, como o seríamos para Deus em
nosso desejo de união com Ele.
A beleza de Deus está refletida misteriosamente, de algum
modo, na beleza do ser. Primeiro na natureza — nas árvores, nos
crepúsculos, faces e nas formas das figuras; depois na arte — desenhos,
pinturas, esculturas, e até mesmo na arquitetura; e, de modo ainda mais
misterioso, na música.
Quanto mais próximas da natureza e a ela conformes, tanto mais
essas formas artísticas se conformarão estreitamente com o sobrenatural
e mais precisamente refletirão a verdade, beleza e bondade de Deus.
Catolicismo — Hoje
em dia é comum ouvir objeções ao que o Sr. afirma. Diz-se que a beleza é
subjetiva; que depende dos olhos do observador; que é uma questão de
gosto; que depende da educação e de cada um. Se ele gosta da coisa, isso
é bonito e ponto.
Pe. Brankin —
Juntamente com 30 mil anos de instinto humano e dois mil anos de
tradição católica, posso hoje declarar que a beleza não se encontra nos
olhos do observador. Ela reside na coisa bela em si mesma. Ou ela tem
proporção, totalidade, integridade e clareza em si mesma e vem de Deus,
ou não possui essas qualidades e desagradará à alma com discernimento:
será feia.
Escultura, na Place de I*$*Albertine, Bruxelas
“A mensagem subliminar contida em cada peça confusa e deformada da
arquitetura, da arte, da música ou do drama, é a de que Deus não existe”
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Assim, do mesmo modo como o modernismo teológico nega a realidade
objetiva do sobrenatural, alegando que todo dogma e toda revelação é uma
mera experiência pessoal e, portanto, a
verdade é aquilo que você pensa ser verdade, o modernismo artístico
tenta nos convencer de que qualquer coisa que alguém ache bonita será
realmente bonita para ele.
De fato, a ninguém hoje é permitido dizer que algo seja feio,
porque, para chamar alguma coisa de feio, ficaria insinuada a
possibilidade de que exista um padrão real de referência segundo o qual
algumas coisas podem ser belas e outras não. Isso insinua a existência
de uma verdade objetiva, a qual certamente não é permitida na sociedade
hodierna por remeter a Deus.
Somos intimidados a manter um silêncio moral e cultural diante da
proclamação moderna de que é de certo modo bonita uma figura acocorada,
desventurada e desproporcionada — e mesmo talvez mais artística que a
figura inicialmente criada por Deus.
Catolicismo — Como se poderia dizer que algo que se nos afigura tão feio seja considerado bonito por outros?
Pe. Brankin — Os
outros o dizem, mas agora sabemos que sua atitude se deve a uma vaidade
intelectual moderna por onde a apreciação ‘superior’ que têm da arte os
coloca acima dos que não fazem parte do jogo. Pela mesma razão, a
ninguém é hoje permitido dizer que algo é errado, mau ou imoral. Se não
há nada que seja intrinsecamente verdadeiro, então não há nada que
intrinsecamente seja bom ou mau, belo ou feio.
Assim, os fiéis têm razão quando entram numa monstruosa igreja moderna e dizem instintivamente: “Meu Deus, que feia!”. Ela provavelmente é feia mesmo. E a autoridade que lhes dá razão é, nada mais nada menos, Santo Tomás de Aquino.
Catolicismo — Não
sendo o conceito de beleza subjetivo, posso manifestar meu desacordo em
relação a uma pessoa que considera belo aquilo que eu vejo como feio?
Pe. Brankin — Os
fiéis não incorrem em qualquer falta moral ou estética se os estranhos
ângulos e o concreto aparente de uma igreja os fizerem sentir mal à
vontade e desconfortáveis. Não há qualquer pecado em ver uma horrível
deformação de Cristo na cruz ou uma monstruosa representação de Maria e
dizer que aquilo é horrível e monstruoso. Como não há virtude em
esforçar-se por achar que de algum modo tudo é bonito e que se deve
estar errado. Rejeite a atitude de sentir-se forçado a choramingar num
canto, dizendo: “Penso que não conheço muito sobre arte”. Isso
pode simplesmente significar que seus bons instintos humanos e católicos
ainda estão intactos e que sobreviveram de algum modo nessa sociedade
enormemente feia.
Catolicismo — Algum leitor
poderia objetar: “Meu Deus, o mundo está caindo aos pedaços, as
crianças sendo succionadas do ventre materno, e esse sacerdote falando
sobre desenhos e belas pinturas”. Como o Sr. se explica dando lições
sobre a filosofia da arte?
Pe. Brankin — Isso
vai mais fundo do que a filosofia estética. Tem a ver com o modo de
pensarmos e de conduzirmos a nossa própria vida — a vida, a natureza e o
ser enquanto todo. Toda atividade humana se exprime através da beleza
para nos proporcionar um acesso a Deus, que é a própria Beleza. O homem
medieval possuía o senso da beleza. É preciso ter virtude para fazer
coisas virtuosas. Realmente, cumpre ter virtude até para reconhecer a
virtude ou para reconhecer o que é oposto a ela. E se você possui essa
virtude, essa graça — essa inclinação natural para o sobrenatural, esse
saudável senso de beleza —, verá, conhecerá, sentirá e fará coisas que o
geral das pessoas é simplesmente incapaz de fazer.
O mesmo vale para o senso de beleza. A menos que a beleza resida
primeiramente no interior, ela nunca será exemplificada exteriormente em
parte alguma da sociedade. Ela não será nem sequer reconhecida.
O senso remanescente de beleza em nossas mentes e corações, pelo qual
ainda podemos reconhecer a feiura existente tanto em edifícios como na
filosofia ou na vida, deve ser alimentado e protegido como a nossa
última arma na batalha com o “Não-Deus”.
Mas como pôde acontecer que o resto do mundo ter-se tornado tão
irremediavelmente feio em todos os níveis? Parece que nos chafurdamos
nisso. Bem, talvez agora esteja claro que não mais possuindo a virtude
teológica ou prática, não mais possuindo a graça ou a fé, e nem mesmo as
mínimas noções de Deus, nossa sociedade abraçou o vazio. Tendo nós
abandonado o verdadeiro Deus, tornando-nos cegos à sua claritas, à sua centelha, à sua luz; habitamos na feiura, na escuridão e na confusão.
Não vemos ou fazemos externamente coisas virtuosas porque não mais
existe virtude ou beleza no interior. Uma sociedade que não acredita em
Deus, no sobrenatural, nem mesmo na verdade — para não mencionar também a
beleza — só fará coisas feias.
Tragicamente, nosso mundo não reconhece sequer o que é o feio. Já
dissemos que a beleza é aquilo que quando visto agrada e, portanto, o
lógico seria que o feio fosse aquilo que quando visto desagrada. Mas
olhem para a nossa sociedade, na qual o que agrada é o macabro, o
esquisito, o torto e o deformado; na qual, por muitos anos, a peça mais
popular de cinema — número um durante semanas — foi um filme sobre um
canibal. São o mal e o feio que agora deleitam. Bem-vindos ao bravo novo mundo:
o que em outra época teria sido chamado de mau agora é qualificado como
bom, e o que era considerado feio é agora considerado bonito.
Catolicismo — O culto à feiura visa ao próprio Deus e à nossa percepção d’Ele? Ou à afirmação de que Ele não existe?
Pe. Brankin — O que
digo não se restringe às belas imagens. Trato do antigo assalto à beleza
de Deus e da original afronta à sua existência e à natureza e vida
criadas por Ele. O culto à feiura em nossa Terra não é menor que a raiva
de satanás contra Deus. Não é menor que a ponta-de-lança da cultura da
morte. Mais ainda, o culto à feiura é tão absolutamente penetrante e
diligente em celebrizar o infrutuoso, o estéril, o deformado e o feio,
que põe à margem todas as outras fés — sobretudo a verdadeira Fé.
A mensagem subliminar contida em cada peça confusa e deformada da
arquitetura, da arte, da música ou do drama, é a de que Deus não existe.
A mensagem subliminar presente em cada mutilação deliberada das formas
naturais, em cada tributo feito à perversão física e pessoal, é a de que
Deus não existe. A mensagem subliminar manifesta em cada celebração do
preternatural e do cadavérico é a de que Deus não existe. Esta mensagem
subliminar é um iluminado“evangelho da morte”, tão perfeito
como qualquer cultura jamais poderia ter proclamado; e sua onipresença
em todos os aspectos da vida moderna nos incita constantemente a aceitar
esse “evangelho”.
Igreja da Santa Cruz, em Hamburgo (Alemanha)
“Nós, católicos, pensando que estávamos abrindo as janelas ao diálogo
com a modernidade, nunca demo-nos conta de que estávamos sendo
manipulados”
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Infelizmente até mesmo grande parte do clero — cuja missão deveria
certamente incluir o incentivo ao culto à beleza como parte da
proclamação do Evangelho da Vida, e que imaginamos fosse capaz de nos
defender das feias seduções do “Não-Deus” — é com frequência
incapaz de perceber o que se passa e capitulou de várias maneiras ante o
culto da feiura. Isto se comprova a cada momento em que entramos numa
igreja e vemos um Cristo na cruz com pés disformes e olhos esbugalhados,
ou uma tosca Nossa Senhora de cimento aparente. O pobre padre pensou
estar simplesmente comprando para o seu rebanho uma peça de arte
contemporânea. Com toda ingenuidade e ignorância, achou que estava
adquirindo uma recente interpretação de temas religiosos tradicionais. E
nunca se deu conta de que aquilo para o que olhava, e com o que enchia
os olhos de seu rebanho, era na realidade uma forma humana explodida,
explorada e degradada, reduzida às suas partes individuais e impotentes,
novamente reunidas num desconjuntado desequilíbrio. Tudo com o
propósito de revelar e ensinar uma profunda aversão às formas vivas, o
ódio moderno ao Criador.
O pobre padre jamais pensou estar fazendo isso. Não creio que tenha
questionado a fonte espiritual de formas tão estranhas ou mesmo
imaginado as fontes terríveis das quais provinham. Talvez nunca tenha
suspeitado da existência de um culto à feiura. Talvez tenha julgado que
tudo aquilo fosse apenas uma questão de gosto, e que seu gosto — como o
de seu rebanho — era simplesmente retrógrado e destinado a sofrer um
pequeno abalo aqui e acolá. Bem, abalados fomos todos nós.
Olhe para as nossas igrejas e catedrais mais recentes. Muitas delas são
atordoantes e terríveis. Não pela homenagem à tradição e ao senso
católico de beleza. Elas são atordoantes e terríveis na sua total
desumanidade, na sua falta de proporções completa e horrenda, na sua
minuciosa e total esterilidade. Não há um ângulo que agrade ou um arco
que conforte. Nem sequer um pedaço de moldura que nos contenha em sua
sombra. Tampouco uma imagenzinha diante da qual possamos acender uma
pequena vela. Como o focinho escancarado e as fornalhas sacrificadoras
de crianças do Moloch pagão, algumas de nossas novas igrejas consumirão
os fiéis em holocaustos de horror visual. Atrevo-me a dizer que um ou
dois desses “espaços eclesiásticos de culto” constituem as peças de
arquitetura mais terrificantes realizadas por e para católicos modernos.
Comparação entra a cadetral de Los Angeles(Dir.) e a Cadetral de São Denis, na França. Sem comentários...
“Um dia dar-nos-emos conta de que distanciamos cada vez mais de Deus,
porque sua fascinante beleza não mais se encontra sequer em nossas
igrejas”
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Pe. Brankin —
Nós, católicos, pensando que estávamos abrindo as janelas ao diálogo
com a modernidade, nunca demo-nos conta de que estávamos sendo
manipulados. Ao falarmos tanto tempo na linguagem e nas formas do mundo
moderno, pensávamos poder dar uma interpretação cristã à filosofia do
Iluminismo ateu. Julgávamos que agora eles nos amariam e viriam para o
nosso lado. Mas nos inteiramos de que dizíamos e significávamos coisas
que não queríamos dizer nem significar. E nem sequer sabemos mais como
desdizer aquelas coisas.
Catolicismo— Se
uma pessoa não analisa aquilo que é feio ou belo, por exemplo na
arquitetura, não poderia ficar com a alma embotada para ver a Deus?
Aí estão, à vista de todo o mundo, nossa impotência evangélica e nossa
paralisia espiritual, adquiridas recentemente e tão claramente exibidas
na confusão de nossas igrejas renovadas, na loucura de nossas liturgias
experimentais e no vazio de nossas catedrais. Por que alguém seria
atraído para a beleza de Deus se é com tudo isso que Ele se parece? E um
dia dar-nos-emos conta de que distanciamos cada vez mais de Deus,
porque sua fascinante beleza não mais se encontra nem sequer em nossas
próprias igrejas.
Catolicismo —Em
vista desta bela exposição que o Sr. fez nesta entrevista, como agir?
Devemos gastar nossas energias esforçando-nos por convencer, mudar e
converter aqueles que aceitam o que é feio?
Pe. Brankin — Às
vezes realmente pensamos nisso. Pensamos que, se todos vissem uma bela
imagem, uma bela igreja, ou ouvissem um argumento perfeito ou um belo
canto na Missa, todos se converteriam. Mas quantos convertidos vieram
para a Igreja após ouvirem um canto gregoriano? Por certo, discos com
música gregoriana foram vendidos aos milhões, mas estou seguro de que a
maioria considerou como mais um pouco de música ambiente para
acompanhá-los na rotina cotidiana. Os modernos não têm qualquer ideia
sobre o que os monges estavam cantando, e o problema não era o latim.
Quantos de nós pensamos há 25 anos que a causa contrária ao aborto
certamente triunfaria se ao menos pudéssemos mostrar às pessoas fotos de
fetos em desenvolvimento? Ninguém ligou, e agora estamos batalhando
contra o infanticídio. Sua pergunta seria: então tudo está acabado?
Devemos dar de ombros em atitude de total desânimo? Resignarmo-nos à
feiura física e ao vácuo espiritual de nossa época? Rendermo-nos ao “Não-Deus” de nosso tempo? Colocarmo-nos sobre o monte de esterco da modernidade aguardando como Jó uma morte misericordiosa?
As belezas e os encantos da arquitetura de Veneza atrairão sempre os homens retos
“Passemos a encher nossas mentes, nossos corações, nossas famílias,
nossos filhos, todo o nosso mundo com tanta beleza quanto seja possível”
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Não, penso que não. A primeira de nossas tarefas é permanecer
convertidos e dedicados ao Deus de nossos pais, ao Deus de toda beleza e
de todo o bem. E então, naturalmente, partilharemos sem nos darmos
conta da beleza que interiormente experimentamos. A verdadeira cultura
católica nos foi legada para recriarmos, ignorando olimpicamente tanto
nossa sociedade moderna quanto os clérigos que desejam de modo ardente a
modernidade. Nós os ignoramos. Passemos a encher nossas mentes, nossos
corações, nossas famílias, nossos filhos, todo o nosso mundo com tanta
beleza quanto seja possível. De modo que, por força da quantidade e da
qualidade de nossos esforços, não haja mais lugar para aquilo que é
desumano, feio e oposto a Deus.
Se isso soa como um toque de clarim conclamando a voltar às catacumbas,
abandonando a cultura moderna, então assim seja. Sim, isso também é
heresia em nossa Igreja contemporânea, onde somos constantemente
encorajados a nos engajar e abraçar o mundo moderno. Mas, fazendo-o —
como vimos no decurso das últimas trágicas décadas —, não temos nesse
venenoso encontro nada a ganhar, mas tudo a perder.
Mas onde estão as catacumbas? Onde estão os refúgios dos horrores humanos e espirituais do nosso bravo mundo novo?
— Estão em nossas próprias casas, salas e quartos, nos nossos cursos
domésticos e nas academias de ensino privadas. Ali é onde a verdadeira
cultura do Novo Milênio tomará forma, pois, indiferentes à pompa e aos
prazeres, às arrogâncias pretensiosas e às superficialidades carnais
deste mundo feio que nos cerca, as mães e os pais poderão educar, moldar
e guiar seus filhos em uma fé sem adulteração, inculcando em suas almas
todo tipo e exemplo de beleza.
Ao isolar e proteger seus filhos da sordidez que os circunda, os pais
estarão somente fortalecendo-os para uma eventual confrontação com ela.
Encham as paredes de suas casas com bela arte, os ouvidos de sua família
com bela música, as almas de seus filhos com belas histórias e não
haverá lugar para o insípido, o perverso, o feio, o sem fé. Fazendo das
famílias uma pequena“igreja”, não terão de estar continuamente
se engajando numa ação de retaguarda para frustrar as toxinas da mídia,
das escolas ou dos estranhos novos amigos de seus filhos na vizinhança.
Não será preciso forçá-los a desaprender em sua casa as lições que eles
acabam de aprender lá fora.
As famílias virão a conhecer e apreciar que existe apenas uma
coisa da qual ocupar-se, em torno da qual mover-se, uma só coisa a
cultivar: suas almas, o belo dom de Deus. Esta percepção ajudará então a
fazer belas coisas e apreciar todas as coisas bonitas que provêm de
almas repletas de graça.
E se fizermos isso, então, pouco a pouco, à medida que a modernidade
continuar a morrer — como seguramente deverá, pois não é a morte o seu
próprio tema? —, ela irá sendo substituída pela vida; de fato, uma nova
cultura da vida, cuja sadia característica será a celebração da beleza
de Deus na beleza da vida que nos cerca. Não resta dúvida de que existe
um culto à feiura em nossa sociedade; mas este culto não é o nosso e com
ele nada temos que ver.
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